terça-feira, 19 de agosto de 2008

Isso sim é pressão


Quando mistura-se esporte com política, não podemos esperar boa coisa. A História cansou de nos mostrar. Quando trata-se da política de um país controverso como a China, então...

Pelo menos há um mês dos Jogos já corria pelo mundo a informação que Xiang não estaria bem fisicamente. Os chineses esconderam a real situação do atleta, esconderam o próprio atleta, para preservar o duelo contra o cubano Daryon Robles, que batera o recorde mundial do chinês. Até que bilhões de pessoas puderam testemunhar ao vivo o drama do campeão olímpico dos 110m com barreiras em Atenas.

Xiang é, disparado, o maior ídolo do esporte chinês da atualidade. Yao Ming é mais conhecido no ocidente, porque joga na NBA, mas dentro da China só dá Xiang. O ouro inédito no atletismo conseguido em 2004 o transformou na estrela maior da delegação que foi preparada para tirar dos americanos o domínio no quadro de medalhas. Nenhum chinês imaginava uma medalha de Yao Ming. Nenhum chinês imaginava algo menor que o ouro de Liu Xiang, principal garoto-propaganda dos anfitriões nas Olimpíadas. A vitória improvável de Atenas serviu para a China mostrar ao mundo que algo diferente estava sendo preparado, que as medalhas douradas não mais ficariam restritas às tradicionais no badminton, tênis de mesa, saltos ornamentais e ginástica.

E o absurdo começou aí. Carregando a responsabilidade de levar um bilhão e trezentos milhões de corações nas costas, não deram a Xiang “direito” de se machucar. O presidente chinês chegou ao cúmulo a dizer que, se ele não conseguisse o bi olímpico, nada do que fizera até então teria valor.

Debaixo de uma pressão que nem Michael Phelps sofreu na busca dos oito ouros, Xiang entrou no Ninho do Pássaro para disputar sua eliminatória. Todos os olhos e câmeras apontavam para ele. Chegou mancando. Demorou para vestir a camiseta de corrida. Inquieto, era visível que algo não estava bem. Quando alinhou no bloco de partida, a expressão de dor em qualquer movimento era de partir o coração de quem via. O garoto se preparou para largar, quase chorando. Não havia uma posição que ele ficasse sem sentir uma dor insuportável. Era óbvio que não tinha condições de estar ali. Quando um adversário queimou a largada, Xiang não teve forças para chegar sequer à primeira barreira. Mal conseguia tocar no chão com o pé direito. Deu a volta e foi embora, sem esperar a relargada. Junto com ele, em estado de choque, os quase 90.000 torcedores presentes ao estádio, que estavam lá para ver o ídolo maior. O Ninho ficou praticamente deserto. O grande duelo com Robles, disputa mais aguardada dos Jogos Olímpicos de 2008, não vai acontecer.

Xiang foi para a lateral do estádio, sentou no chão, cobriu a cabeça com a camiseta e chorou, numa cena comovente. Na sala de imprensa, seu treinador também se debulhava em lágrimas. Disse que não sabia da gravidade da lesão do pupilo. O lendário fundista etíope Haile Gebrselassie disse que a lesão de Xiang estava na cabeça e não no pé. Xiang negou, dizendo que o problema piorara depois de ter feito 12s90 há duas semanas, tempo este que provavelmente lhe daria medalha na final olímpica.

Não descarto a hipótese de Xiang ter sentido a óbvia e imensa pressão. Não duvido que Gebrselassie esteja certo. Assim como não duvido que a pressão em cima dele possa inclusive ter prejudicado a recuperação. Esconderam (literalmente) o atleta por semanas, provavelmente para não deixar que o vissem mancando às vésperas dos Jogos. Nem o povo chinês, nem a imprensa, sabiam onde e como estava Liu Xiang.

O governo chinês conta com o sucesso da organização dos Jogos e, principalmente, dos resultados de seus atletas, para mostrar ao mundo que o seu sistema de governo atual é viável e bom para o país (seria algo parecido com o que foi visto nos Jogos de Berlim, em 1936?). Não economizaram esforços, gastaram os tubos. E expuseram um ídolo à condição dramática e lamentável que Liu Xiang ficou no Estádio Olímpico.

2 comentários:

Antonio disse...

É o que você disse, sempre dá m.... quando se mistura esporte com política.

Mas quando isso vai acabar?

Já era assim desde o "Pão e Circo" no Coliseu do Império Romano... E até hoje interesses políticos interferem na vida de atletas de tudo quanto é esporte.

É fogo...

Chã, Patinho & Lagarto disse...

A grosso modo podemos comparar a pressão dos atletas chineses com os brasileiros. Digo a grosso modo porque pelo menos os nossos não são privados de sua liberdade, nem pressionados pelo governo a obter êxito em nome da propaganda do governo, como acontecia na Guerra Fria com a União Soviética. Os daqui passam por uma pressão exagerada de cobrança teoricamente sem intenção de ser. Uma pressão oriunda da carência em ídolos e bons resultados que temos aqui no Brasil. E isso acaba se refletindo na expectativa do torcedor. Acontece que bem ou mal, os chineses treinam em alto nível, não a toa estão disparados na liderança no quadro geral de medalhas. Isso é apenas um reflexo. Mas isso é conquistado por um preço escroto.
No Brasil, essa cobrança "amena" não corresponde ao investimento nos atletas. Apenas cobram por cobrar. O que é pior, provavelmente é o modelo chinês, mas com certeza isso não é bom esporte brasileiro. Presumo eu. hehehe