sábado, 16 de agosto de 2008

Tá difícil de mudar de assunto

Espero que os amigos leitores do Arquibancada Digital não fiquem chateados ou de saco cheio. Mas é que está difícil deixar de falar sobre o feito histórico de Cesar Augusto Cielo Filho nas piscinas do Cubo d'Água. Agora, mais de 15 horas depois da final, depois de dormir (mal), depois de ficar sabendo de vários fatos de bastidores, acho que estou em condições de escrever sem ser tomado pela emoção de um ex-nadador que um dia sonhou em se tornar campeão olímpico.

Cesar acordou cedo, às 6h. Sua final estava marcada para às 12:39h. Para entrar na pilha, ouviu algumas vezes a música tema do reality show The Contender, composição do genial alemão Hans Zimmer. Já tive o prazer de ouvir esta música algumas vezes enquanto corria e sei muito bem do imenso poder motivacional que ela propicia. Coisa de gênio mesmo.

Já no Parque Aquático, touca e óculos nas mãos, aguardando a hora de nadar, Cielo encontra ninguém menos que Michael Phelps, que estava voltando da cerimônia de premiação de sua sétima conquista de Pequim, a mais dura de todas, dos 100m borboleta. Phelps virou para Cesar e, apontando para a medalha no peito, falou: "Tá vendo isso aqui? Foi conquistada por um centésimo! Você pode ganhar por um centésimo ou pode perder por um centésimo. Vai lá e bate na parede!". Que injeção de ânimo fantástica, depois de ouvir a música!

Cesar encaminhou-se para a piscina, levando nas costas o peso de uma nação tão carente de medalhas e de um esporte que buscava seu primeiro ouro em 68 anos de tentativas olímpicas. Desde o bronze de Okimoto nos 1500m livre em Helsinque até o revezamento 4x100 livre em Sidney, foram 10 medalhas na natação, nenhuma de ouro. Seria muito peso para um garoto de 21 anos. Mas não para Cesar Cielo.

Na raia 4, dono do melhor tempo na semifinal, recorde olímpico superado duas vezes, Cielo estava concentradíssimo. Foi o único que não colocou a mão na água, ritual comum entre os nadadores antes de uma prova. Subiu no bloco de partida, encheu os pulmões de ar, ouviu o tiro e partiu.

Sem olhar para os lados, sem respirar nenhuma vez, expressão de fúria com os dentes intrincados captados pela câmera subaquática, depois de dar 34 braçadas e cerca de 200 pernadas, vinte e um segundos e trinta centésimos depois, Cesar Cielo entra para a história olímpica brasileira.

Como Phelps havia pedido, ele foi lá e bateu na parede antes dos outros. O tempo entre Cesar e o oitavo lugar, o sueco Stefan Nystrand, foi de menos de 50 centésimos. Um piscar de olhos separou o primeiro do último lugar. Cielo levantou a cabeça, olhou seu nome ao lado do número 1 no placar. E começou a chorar pela primeira vez. Socou a água, afundou, sentou na raia. Saiu da piscina tremendo, uma tonelada mais leve. Encontrou o repórter Marcos Uchoa e, ainda atordoado, chorou novamente.

Minutos depois, já recomposto, foi para a cerimônia de premiação entre os felizes franceses Amaury Leveaux (prata) e Alain Bernard (bronze). Subiu ao pódio, recebeu a medalha de ouro e o famoso pescotapa do seu Coaracy Nunes, presidente da CBDA. Tentou cantar o hino, mas não resistiu ao terceiro verso e começou a chorar de novo, vendo a Bandeira Nacional subir. Mas desta vez o choro foi copioso. O público começou a aplaudir, ainda durante o hino, algo nunca feito. Bernard, com um sorriso imenso, tentava acalmar Cesar (foto acima), numa cena linda. Cesar não conseguia parar de chorar (a esta altura, nem eu) e o público vinha abaixo. Nem Michael Phelps havia tido uma comemoração tão efusiva assim.

Cesar saiu do pódio, foi para as tradicionais fotos. Lá visualizou seus familiares e jogou o buquê de flores para a mãe. Começou a chorar novamente. Chamou os companheiros da equipe brasileira, que invadiram a área de competição, quebrando o protocolo olímpico. Cercaram Cielo e, aos gritos de Cesão, começaram a pular e a abraçar o novo herói.

Gustavo Borges, extremamente emocionado na mesa de transmissão da Globo, pediu permissão para Galvão Bueno para se retirar e descer para tirar uma foto do campeão. Antes da autorização, Gustavo já estava pulando as cadeiras, tropeçando em meio mundo. Conseguiu chegar a Cesar, onde protagonizaram uma das cenas mais bonitas. Um longo abraço depois, abriu espaço, sacou sua câmera e tirou uma foto do novo ídolo, que acabara de superar os resultados do próprio Gustavo. No Brasil, Fernando Scherer não tinha palavras para descrever o que acontecera, apenas dizia que Cesar era o maior nadador brasileiro de todos os tempos. Dois exemplos de ex-atletas e ídolos, que devem ser seguidos por todos.

Nas finais dos 100 metros, Cesar disse ao técnico que iria ganhar uma medalha. Depois pensou consigo: "Que isso, eu tô na raia 8, tô viajando!". Não estava. Cielo ganhou o bronze naquela prova e falou na saída: "Agora eu vou ganhar os 50!". Dito e feito. Podemos dizer que Cielo é o Romário das piscinas, aquele que prometeu o improvável, foi lá e fez. E que não venham os espíritos de porco dizer que isso é marra ou arrogância. Isso é auto-confiança, preparação e talento.

Agora Cesão está livre. Vai poder curtir as conquistas. Vai poder rever a família, depois de tanto tempo sozinho nos EUA. E vai poder voltar a pegar mulher, depois de se comprometer com o técnico a não arrumar nada até depois dos Jogos Olímpicos. A irmã dele falou que a pretendente tem que ser alta, magra, bonita. Tem que gostar de comer, não ficar enchendo o saco, não ser estressada. E tem que passar pelos crivos da própria irmã e da mãe dele. É pouco?

Vai lá, Cesão! Enfileira geral, pega todas! E obrigado por tudo!

Um comentário:

pedrop8 disse...

O fato dele ter prometido realmente engrandeceu ainda mais a conquista. Além disso, a felicidade do segundo e do terceiro colocados prova o quanto ele mereceu este ouro. Foi sensacional!